quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Movie Time

The Wolf Of Wall Street
O Lobo de Wall Street”

IMDB Rating: 8.7

Imagine-se vestido para uma festa glamourosa na melhor avenida da cidade, quando descobre que esse evento é, afinal, um espetáculo de striptease onde os seus respeitados amigos se encontram em posições menos respeitáveis, com peças de roupa a menos e estupefacientes a mais. É esse o estado de choque com que recebemos “O Lobo de Wall Street”.



by CATARINA D'OLIVEIRA

"Abram alas para a a libertinagem e o deboche orquestrados por Martin Scorsese na potência máxima do escândalo dos ladrões de colarinho branco.

Mas vamos ao início - é um relativamente inocente Jordan Belfort aquele que chega, pleno de esperança e ambição e com apenas 22 anos, a Manhattan, para o seu primeiro dia de trabalho em Wall Street. Apadrinhado pelo corretor veterano interpretado por mais um laivo de inspiração divina de Matthew McConaughey, Belfort aprende que apenas duas coisas o ajudarão a subir na vida e no universo da bolsa: 1º, tem de relaxar; e 2º, tem de começar a juntar cocaína à sua lista de bens-essenciais do dia-a-dia.

A sorte (ainda) não está do lado de Belfort, que vê a Segunda-Feira Negra de 1987 despejá-lo no desemprego. A contar tostões num país que subitamente deixou de ver nos corretores as suas “estrelas de rock santificadas”, Belfort aplica os seus dons (quase) sobrenaturais numa humilde firma que vende ações de baixo custo. 

A premissa por detrás da escalada de inclinação exponencial para a riqueza e o poder é complexa, mas apresentada à audiência de forma relativamente simples: resumindo, Belfort começou por vender ações normais a indivíduos ricos e depois de ter ganho a sua confiança, começava a vender-lhes ações duvidosas e de baixo valor, onde arrecadaria uma comissão de 50% por venda, em vez do tradicional 1%. Foi esta ilegal descoberta da roda dourada que tornou rapidamente Belfort e os seus sócios, ricos além da imaginação – só depois, eventualmente, chegaram os subornos, branqueamento de capitais, insider trading e por aí fora.

Estava estendida a carpete do surrealismo monetário, com milhões de dólares a choverem ao longo de uma simples semana de cinco dias úteis. O exército liderado por Belfort, que lhe responde com explosivos gritos de guerra aos inspirados discursos, é uma tropa de elite no momento de ataque, e um grupo de descontrolados entre as festas Gatsbianas de Belfort.

E o alcance dos seus feitos, seja a rodar prostitutas pelo escritório inteiro, ou a alinhar cocaína como se de uma autoestrada para o paraíso se tratasse, é capaz de envergonhar os protagonistas d’”A Ressaca”.

Eventualmente, e compreensivelmente, o FBI começa a farejar o caso, e nada bate certo. Quando a espiral insana de Belfort começa a desmoronar-se, na última secção do filme, a mudança de tom ameaça o quadro de Scorsese, e a audiência percebe-o. É a chamada “conclusão ressacada”, que não consegue acompanhar totalmente a explosão inebriada do primeiro ato.

Transformar esta besta energética num filme de três horas terá sido, provavelmente, uma ambição gulosa de difícil digestão para grande parte da audiência.

O filme – e, sobretudo os seus intervenientes – vêem-se tão embrenhados nesta frenética criação que levam a colocar em questão a necessidade de uma duração de três horas para contar uma história de humor negro, à qual uma bem medida hora e meia chegaria. A segunda questão que surge é, no entanto, tentadora: quantas vezes aparecerá uma história debochada como esta com Martin Scorsese pronto a realizá-la?

O nosso Lobo - Leonardo DiCaprio - teve uma tarefa duríssima. As personalidades espalhafatosas são a materialização do gozo maior para um ator em metamorfose, mas são as suas peculiaridades e subtilezas – elas existem em Belfort, por mais difícil que seja vê-lo – que separam uma interpretação boa de uma de excelência. A de DiCaprio pertence à última categoria, e é um retrato empolgante e empolgado de um homem que, além dos seus inquestionáveis dons, era desprezivelmente interessante e divertido.

A maior parte do enredo e das aventuras que o pintam foram retiradas da memória homónima escrita por Belfort. Alguns dos episódios mais surreais têm o inacreditável selo do “verídico”, e nada mais podemos fazer que não recolher cuidadosamente o queixo do chão, uma e outra vez.

Esta exibição pornográfica de luxo, poder e sexo não se amontoa para construir um conto moral sobre a corrupção e o deboche. Todavia, também não os glorifica. Ao contrário é uma acídica, elétrica e bem calibrada comédia negra, uma ode à decadência e ao hedonismo, e uma farsa épica que mistura o melhor de “Tudo Bons Rapazes” com uma versão moderna do Império de Calígula.

Está reservado para os grandes filmes, os verdadeiramente especiais, o dever de nos questionar. O facto de "O Lobo de Wall Street" se distanciar mais ou menos do estatuto de obra-de-arte não contribui, todavia, para que não deixe inquietantes perguntas à nossa consideração: estamos a olhar para o comportamento desviante ou para um espelho? É a ganância uma característica do indivíduo psicótico ou um traço indiluível da natureza humana que contribui, inclusive, para a evolução da nossa espécie?

As respostas, essas, estão prontas para abalar o seu mundo."

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